Teoria

A Estrutura de um Problema de EMC (Parte II)

No último artigo apresentamos as condições mínimas para a ocorrência de um problema de EMC, ou seja, para ocorrer uma interferência. Essas condições são: haver uma fonte de perturbações, haver uma vítima dessas perturbações e haver um caminho de acoplamento pelo qual a energia eletromagnética flui da fonte para a vítima. Nesse artigo vamos examinar fontes, vítimas e acoplamentos com mais detalhes.

Mais Sobre o Modelo dos Problemas de Interferência

O primeiro aspecto importante a chamar a atenção é que um equipamento pode ser fonte de perturbações em uma certa circunstância e vítima em outra. Por exemplo, suponha um automóvel usado por uma empresa para levar os funcionários para fazer serviços de campo. Nesse automóvel foi instalado um transceptor de rádio para os funcionários se comunicarem com a empresa. Quando o rádio está em modo de recepção, a ignição do motor faz o rádio emitir ruídos pelo alto-falante, ou seja, nessa circunstância, o motor é a fonte, o rádio é a vítima e o caminho de acoplamento, provavelmente é a irradiação pelo espaço entre os fios da ignição e a antena do rádio (embora isso mereça ser investigado em uma situação real). Quando o rádio transmite, algumas luzes de alerta do painel do automóvel acendem sem motivo, nessa outra circunstância, o rádio é a fonte, o painel de instrumentos do carro é a vítima e o caminho de acoplamento mais uma vez provavelmente é a irradiação entre a antena do rádio e a fiação que chega ao painel.

Mecanismo de acoplamento

Essas situações em que um equipamento é ora fonte de perturbações, ora vítima é mais comum nos sistemas mais complexos, nos quais há muitos equipamentos eletrônicos instalados mais ou menos próximos uns dos outros.

As emissões podem ser sinais intencionais ou não intencionais. Essas emissões podem seguir caminhos de acoplamento projetados ou não projetados. No caso do transceptor de rádio instalado no carro, as ondas de rádio que deixam o transceptor são sinais intencionais seguindo um caminho de acoplamento projetado (transceptores de rádio existem para emitir sinais irradiados pela antena). Por outro lado os sinais radiados que deixam os cabos de vela do sistema de ignição do carro, são sinais não intencionais propagando-se por um caminho de acoplamento não projetado (sistemas de ignição não existem para irradiar, mas sim para produzir centelhas dentro de cilindros de motores).

As perturbações podem estar dentro da faixa ou fora da faixa de frequência de operação. Ainda no exemplo do carro com o transceptor de rádio. Pode ser que, além de observar que o rádio quando transmite faz acender alguma luzes de alerta do painel, os funcionários da empresa também tenham notado que o transceptor interrompe ligações de celular feitas a bordo do carro. Provavelmente, as ligações de celular são interrompidas, porque o transceptor, além de emitir um sinal na sua frequência de operação “f0” (também chamada fundamental), também transmite (com menor intensidade) as indesejáveis “harmônicas” (2 f0 , 3 f0, etc) e que uma dessas harmônicas é igual à frequência em que o telefone celular opera. No caso do acendimento inadvertido de luzes de alerta, provavelmente o sinal perturbador tem frequência igual à fundamental, porque essa é a emissão de maior energia. Nesse caso dizemos que o sinal perturbador está “dentro da faixa”. No caso da interrupção dos celulares, como esta é causada por harmônicas, dizemos que o sinal perturbador está “fora da faixa”.

Os pulsos de alta tensão gerados pelo sistema de ignição do motor têm taxas de repetição de poucos quilohertz, mas como são pulsos de curta duração e grande intensidade, a análise de Fourier mostra que esses sinais têm muitas harmônicas que atingem frequências na faixa de rádio comunicação que é muito mais elevada que a taxa de repetição do sistema de ignição. Além disso, a análise de Fourier também revela que essas harmônicas, ao atingirem a faixa de rádio comunicações, estão relativamente próximas em frequência umas das outras, isso porque na faixa de 100MHz, um afastamento entre dois sinais de, digamos, 5kHz corresponde a apenas 0,005% da frequência de 100MHz. Logo, por volta de 100MHz, a perturbação oriunda do sistema de ignição é formada por uma série muito grande de sinais muito próximos em frequência entre si espalhados por uma faixa muito grande de valores de frequência. Esse tipo de sinal é chamado “faixa-larga”. Os sinais que deixam a antena do rádio, por outro lado estão bem agrupados em volta de f0 e cada uma de suas harmônicas. Esse tipo de sinal é chamado “faixa estreita”. Via de regra, sinais intencionais produzidos equipamentos de comunicação são faixa estreita, enquanto sinais não intencionais produzidos por sistemas de potência, como fontes chaveadas, fontes de alta tensão, etc, são faixa larga. As formas de interpretar se uma determinada emissão é faixa larga ou estreita serão vistas em posts futuros.

Por último, as vítimas podem apresentar susceptibilidade ou sensibilidade. Voltando ao exemplo do transceptor instalado no automóvel, uma vez que um rádio deve ser capaz de detectar sinais muito fracos cujas frequências estejam em sua faixa de operação, não se pode dizer que este é susceptível aos sinais não intencionais oriundos da ignição do motor, mas sim que o rádio apresenta grande sensibilidade a quaisquer sinais que estejam em sua faixa de operação. Por outro lado, as luzes de alerta do painel de instrumentos do carro deveriam acender apenas no caso de acontecer um problema, e não quando sinais irradiados se acoplam à fiação do painel. Se a transmissão do rádio perturba o painel, este está manifestando susceptibilidade a sinais irradiados.

Nos próximos artigos vamos ver de forma bem introdutória, as medidas de controla de interferências.

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